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Arte Notes.

Blog inspirado nas obras e na criatividade dos artistas, assim como no respeito pelos direitos humanos e meio ambiente.

Arte Notes.

Blog inspirado nas obras e na criatividade dos artistas, assim como no respeito pelos direitos humanos e meio ambiente.

27.01.22

Memória Colectiva


Ana Branco

 

Imagem Pixabay

Todos os anos, a 27 de Janeiro, é dia de prestar homenagem à memória das vítimas do Holocausto e reafirmar o compromisso de combater o antissemitismo, o racismo e outras formas de intolerância que podem levar à violência direcionada a grupos.

A data marca o aniversário da libertação do Campo de Concentração e Extermínio Nazista de Auschwitz-Birkenau pelas tropas soviéticas a 27 de Janeiro de 1945. O Dia Internacional de Comemoração em Memória das Vítimas do Holocausto foi oficialmente proclamado em Novembro de 2005 pela Assembleia Geral das Nações Unidas.

O Holocausto afectou profundamente os países nos quais os crimes nazistas foram perpetrados, com implicações e consequências universais em muitas outras partes do mundo. Os Estados Membros compartilham a responsabilidade coletiva de abordar o trauma residual, manter políticas eficazes de lembrança, cuidar de locais históricos e promover educação, documentação e pesquisa, mais de sete décadas após o genocídio. Essa responsabilidade passa por educar sobre as causas, consequências e dinâmicas de tais crimes para fortalecer a resiliência dos jovens contra as ideologias do ódio. Como crimes de genocídio e atrocidade continuam a ocorrer em várias regiões, e como estamos a testemunhar um aumento global de antissemitismo e discurso de ódio, isso nunca foi tão relevante.

24.01.22

“Changing Course, Transforming Education”


Ana Branco

 

ODS4

ODS4

Com o objetivo de sensibilizar a sociedade civil para que se cumpra o direito à educação, consagrado no artigo 26º. da «Declaração Universal dos Direitos Humanos» (1948) e na «Convenção sobre os Direitos da Criança» (1989), comemora-se hoje, 24 de Janeiro, o Dia Internacional da Educação, sob o tema “Changing Course, Transforming Education”.

O dia, criado através da Resolução 73/25 da Assembleia Geral da ONU, a 3 de Dezembro de 2018, também pretende sublinhar o papel da educação enquanto meio para quebrar ciclos de pobreza e para o desenvolvimento social.

Quando adoptada em Setembro de 2015, a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável reconheceu que a educação é um pilar essencial para os seus objetivos, em particular, o Objetivo para o Desenvolvimento Sustentável n.º4 que assume o compromisso de garantir oportunidades educativas inclusivas e de qualidade, bem como de aprendizagem ao longo da vida.

22.01.22

"Apologia do Diabo"


Arte Notes.

 

Livro

 

Apologia do Diabo" (1795), brevíssimo ensaio descoberto e traduzido em Itália por Benedetto Croce em 1943, é não só uma pequena jóia esquecida da literatura filosófica mas, sobretudo, uma reflexão sobre a natureza e a questão do mal.

Nela, o diabo – personificação da malvadez e «destruidor da liberdade alheia» – vê a sua conduta revelada em máximas que compõem um genuíno sistema da maldade. Em linhas que versam a imoralidade política, inspiradas nas categorias da filosofia kantiana, J. B. Erhard faz-nos compreender os diabos de carne e osso e os tiranos que pululam no mundo, bem como a repercussão dos seus actos perversos nas vontades alheias.

O diabo sob vestes humanas, o tirano, vive apenas no medo e do medo. Na liberdade alheia vê somente uma resistência ao seu domínio absoluto.

Não há porque não aspirar à virtude, como bem supremo, se a mesma não for um conjunto de deveres impostos. O bem o é na acção em si, no impulso desinteressado, e não no propósito de ser, porque a moral não fundamenta a virtude, mas é fundada sobre ela. O sujeito da moralidade não age moralmente, é determinado moralmente. O ideal da moralidade é, portanto, um sujeito que age sempre de acordo com a consciência moral, através da liberdade.

Age de tal forma que a máxima segundo a qual tu te reges possa ser seguida por todos os outros homens, em qualquer época, sem incompatibilidade.

O ideal da maldade transgride a liberdade, por mor da transgressão, e consiste num sujeito que age exclusivamente por interesse e segundo princípios materiais. «Quero agir de tal modo que o meu "eu" seja o único fim possível da minha acção e apareça como o único ser livre.»

As máximas extraídas deste propósito, são:

. Nunca sejas sincero e, no entanto, faz-te passar por tal. Pois se fores sincero, então os outros poderão contar contigo, tu serves-lhe e eles não te servem a ti. Mas se não pareceres sincero, então não contam contigo, e tu não conseguirás servir-te deles tão confortavelmente.

. Não reconheças nenhuma propriedade, mas afirma que ela é sagrada e inviolável, e apropria-te de tudo. Se podes possuir tudo como reconhecidamente teu, então tudo está dependente de ti.

. Serve-te da moralidade dos outros como fraqueza para os teus fins.

. Tenta outrem ao pecado, enquanto pareceres reconhecer a moralidade como algo necessário. Assim todos os outros estarão dependentes da tua graça, portanto podes puni-los como transgressores.

. Não ames ninguém.

. Torna infeliz todo aquele que não quiser depender de ti.

. Sê totalmente consequente e nunca te permitas o arrependimento.

. Tudo aquilo que resolveres, executa-o custe o que custar. Assim mostras-te totalmente independente e conseguirás, por causa da uniformidade no teu procedimento, a aparência de justiça, que proporciona um meio expediente para fazeres dos outros teus escravos, antes de eles o notarem.

15.01.22

"Cuando calienta el sol"


Arte Notes.

 

Alberto Greco "Cuando calienta el sol"

Alberto Greco "Cuando calienta el sol"

A obra «Cuando calienta el sol» faz parte da reconstrução do itinerário artístico e vital de Alberto Greco, nascido a 15 de Janeiro de 1931 e figura essencial nas novas práticas conceituais desenvolvidas em Espanha nos anos 1960.

Para Greco, não havia regras no seu trabalho. Pintou os tecidos desenhando, e desenhou em papéis com outros papéis. O trabalho que realizou em Madrid, a partir de 63, mostra uma mistura caótica de pintura, escrita, rasuras, gravuras, colagens, marcas do seu entorno e da realidade que o cercava.

14.01.22

Dia Mundial da Lógica


Ana Branco

 

Imagem Pixabay

A lógica estabelece as normas que as pessoas têm de cumprir, se desejam alcançar o raciocínio correcto ou válido. Se a lógica fosse uma disciplina empírica, acerca da maneira como as pessoas pensam de facto, teria de admitir como correctos, ou válidos aqueles raciocínios que a maioria das pessoas realizam supondo serem correctos ou válidos. Os raciocínios incorrectos, ou logicamente inválidos, não se tornam válidos mesmo que todas as pessoas os tomem como válidos.

A validade é uma propriedade dos raciocínios e não das proposições que os compõem, ao passo que a verdade é uma propriedade das proposições que compõem os raciocínios. Isto é, uma proposição pode ser verdadeira ou falsa; mas não faz sentido dizer que é válida ou inválida. Pelo contrário, um raciocínio é válido ou inválido mas não faz sentido dizer que é verdadeiro ou falso. Esta não é uma mera convenção, nem uma distinção meramente verbal; ela corresponde à diferença que existe entre a avaliação de um raciocínio e a avaliação de uma proposição.

Avaliar uma proposição é muito diferente de avaliar um raciocínio. Quando avaliamos um raciocínio e sancionamos a sua qualidade, afirmamos que ele nos «conduz» à verdade, assumindo que as premissas são verdadeiras. Esta verdade a que ele nos «conduz» é a proposição que se conclui. Assim, avaliar positivamente um raciocínio é afirmar que, assumindo a verdade das suas premissas, ele nos garante a verdade da conclusão. Logo, temos de distinguir essa qualidade que os bons raciocínios têm, que consiste em garantir a verdade das suas conclusões, da própria verdade das suas conclusões.

Exemplo da diferença entre verdade e validade:

Sócrates e Platão eram egípcios.

Logo, Sócrates era egípcio.

Este raciocínio é claramente válido. Mas é a sua premissa verdadeira? Pode ser verdadeira ou falsa; a lógica nada nos diz sobre isso. E a sua conclusão é verdadeira ou falsa? A lógica também não diz. O que a lógica afirma é que se a premissa for verdadeira, então a conclusão também é verdadeira: é por isso que é um raciocínio dedutivo válido. É aliás isso mesmo que é um raciocínio dedutivo válido. Um raciocínio dedutivo válido é aquele em que se as premissas forem verdadeiras, a conclusão também será verdadeira.

Claro está que se as premissas forem falsas a conclusão pode ser falsa, ainda que o raciocínio seja válido. A lógica estuda as leis da inferência dedutiva. A lógica estuda as leis que permitem que de premissas verdadeiras se derivem conclusões verdadeiras. A lógica não pode pronunciar-se sobre a verdade das premissas de um raciocínio; afirma apenas que a conclusão de um raciocínio é verdadeira se, e só se:

1. o raciocínio for válido;
e
2. as premissas forem todas verdadeiras.

Existem outros tipos muito comuns de raciocínio: a indução e analogia. Mas nestes casos as conclusões não se seguem logicamente das premissas. Um raciocínio indutivo razoável é ainda um raciocínio dedutivamente inválido.

13.01.22

A paz não tem dias, tem rosas…


Ana Branco

 

Roseira

 

- As rosas já nasceram.

Soprou-me ao ouvido.

- Com dias tão frios, como é possível?

Perguntei-lhe.

- Sentem-se em paz.

Assobiou, levando consigo as pétalas que anteriormente espalhara pelo chão...

 

11.01.22

"as coisas simples"


Arte Notes.

 

Al Berto

Imagem editada de vídeo

 

hoje é dia de coisas simples
(Ai de mim! Que desgraça!
O creme de terra não voltará a aparecer!)
coisas simples como ir contigo ao restaurante
ler o horóscopo e os pequenos escândalos
folhear revistas pornográficas e
demorarmo-nos dentro da banheira

na aldeia pouco há a fazer
falaremos do tempo com os olhos presos dentro das
chávenas
inventaremos palavras cruzadas na areia... jogos
e murmúrios de dedos por baixo da mesa
beberemos café
sorriremos à pessoas e às coisas
caminharemos lado a lado os ombros tocando-se
(se estivesses aqui!)
em silêncio olharíamos a foz do rio
e o brincar agitado do sol nas mãos das crianças
descalças
hoje


in "O Medo : Trabalho Poético 1974-1997" de Al Berto, pseudónimo de Alberto Raposo Pidwell Tavares. O poeta, pintor, editor e animador cultural português, nasceu a 11 de Janeiro de 1948.

05.01.22

“O fascismo eterno”


Arte Notes.

 

Livro

 

Publicado pela primeira vez em 1997, como parte do livro Cinco escritos morais, “O fascismo eterno” é uma reflexão importante e necessária sobre o sentido da história e a importância da memória. Segundo Umberto Eco entre as possíveis características do Ur-Fascismo, o “fascismo eterno” do título, estão o medo do diferente, a oposição à análise crítica, o machismo, a repressão e o controle da sexualidade, a exaltação de um “líder”, um constante estado de ameaça, entre outros. O fascismo, denuncia o autor, longe de ser apenas um momento histórico vivido na Itália, na Europa e no Brasil do século XX, é uma ameaça constante da nossa sociedade.


«(…)

O termo “fascismo” adapta-se a tudo porque é possível eliminar de um regime fascista um ou mais aspectos, e ele continuará sempre a ser reconhecido como fascista. Tirem do fascismo o imperialismo e teremos Franco ou Salazar; tirem o colonialismo e teremos o fascismo balcânico. Acrescentem ao fascismo italiano um anticapitalismo radical (que nunca fascinou Mussolini) e teremos Ezra Pound. Acrescentem o culto da mitologia céltica e o misticismo do Graal (completamente estranho ao fascismo oficial) e teremos um dos mais respeitados gurus fascistas, Julius Evola.

A despeito dessa confusão considero possível indicar uma lista de características típicas daquilo que eu gostaria de chamar de “Ur-Fascismo”, ou “fascismo eterno”. Tais características não podem ser reunidas num sistema; muitas se contradizem entre si e são típicas de outras formas de despotismo ou fanatismo. Mas é suficiente que uma delas se apresente para fazer com que se forme uma nebulosa fascista.


1. A primeira característica de um Ur-Fascismo é o culto da tradição. O tradicionalismo é mais velho que o fascismo. Não somente foi típico do pensamento contra-reformista católico depois da Revolução Francesa, mas nasceu no final da idade helenística como uma reação ao racionalismo grego clássico. Na bacia do Mediterrâneo, povos de religiões diversas (todas aceitas com indulgência pelo Panteon romano) começaram a sonhar com uma revelação recebida na aurora da história humana. Essa revelação permaneceu longo tempo escondida sob o véu de línguas então esquecidas. Havia sido confiada aos hieróglifos egípcios, às runas dos celtas, aos textos sacros, ainda desconhecidos, das religiões asiáticas. Essa nova cultura tinha que ser sincretista. “Sincretismo” não é somente, como indicam os dicionários, a combinação de formas diversas de crenças ou práticas.

Uma combinação assim deve tolerar contradições. Todas as mensagens originais contêm um germe de sabedoria e, quando parecem dizer coisas diferentes ou incompatíveis, é apenas porque todas aludem, alegoricamente, a alguma verdade primitiva. Como consequência, não pode existir avanço do saber. A verdade já foi anunciada de uma vez por todas, e só podemos continuar a interpretar a sua obscura mensagem.

É suficiente observar o ideário de qualquer movimento fascista para encontrar os principais pensadores tradicionalistas. A gnose nazista nutria-se de elementos tradicionalistas, sincretistas, ocultos. A mais importante fonte teórica da nova direita italiana, Julius Evola, misturava o Graal com os Protocolos dos Sábios de Sion, a alquimia com o Sacro Império Romano. O próprio facto de que, para demonstrar a sua abertura mental, a direita italiana tenha recentemente ampliado o seu ideário juntando De Maistre, Guenon e Gramsci é uma prova evidente de sincretismo. Se remexerem nas prateleiras que nas livrarias americanas trazem a indicação “New Age”, irão encontrar até mesmo Santo Agostinho e, que eu saiba, ele não era fascista. Mas o próprio facto de juntar Santo Agostinho e Stonehenge, isto é um sintoma de Ur-Fascismo.


2. O tradicionalismo implica a recusa da modernidade. Tanto os fascistas quanto os nazistas adoravam a tecnologia, enquanto os tradicionalistas em geral recusam a tecnologia como negação dos valores espirituais tradicionais. Contudo, embora o nazismo tivesse orgulho dos seus sucessos industriais, o seu elogio da modernidade era apenas o aspecto superficial de uma ideologia baseada no “sangue” e na “terra” (Blut und Boden). A recusa do mundo moderno era camuflada como condenação do modo de vida capitalista, mas referia-se principalmente à rejeição do espírito de 1789 (ou de 1776, obviamente). O iluminismo, a idade da Razão eram vistos como o início da depravação moderna. Nesse sentido, o Ur-Fascismo pode ser definido como “irracionalismo”.


3. O irracionalismo depende também do culto da ação pela ação. A ação é bela em si e, portanto, deve ser realizada antes de e sem nenhuma reflexão. Pensar é uma forma de castração. Por isso, a cultura é suspeita na medida em que é identificada com atitudes críticas. Da declaração atribuída a Goebbels (“Quando ouço falar em cultura, pego logo na pistola”) ao uso frequente de expressões como “Porcos intelectuais”, “Cabeças ocas”, “Snobes radicais”, “As universidades são um ninho de comunistas”, a suspeita em relação ao mundo intelectual sempre foi um sintoma de Ur-Fascismo. Os intelectuais fascistas oficiais estavam empenhados principalmente em acusar a cultura moderna e a inteligência liberal de abandono dos valores tradicionais.


4. Nenhuma forma de sincretismo pode aceitar críticas. O espírito crítico opera distinções, e distinguir é um sinal de modernidade. Na cultura moderna, a comunidade científica percebe o desacordo como instrumento de avanço dos conhecimentos. Para o Ur-Fascismo, o desacordo é traição.


5. O desacordo é, além disso, um sinal de diversidade. O Ur-Fascismo cresce e busca o consenso desfrutando e exacerbando o natural medo da diferença. O primeiro apelo de um movimento fascista, ou que se está a tornar fascista, é contra os intrusos. O Ur-Fascismo é, portanto, racista por definição.


6. O Ur-Fascismo provém da frustração individual ou social. O que explica por que uma das características típicas dos fascismos históricos tem sido o apelo às classes médias frustradas, desvalorizadas por alguma crise econômica ou humilhação política, assustadas pela pressão dos grupos sociais subalternos. No nosso tempo, em que os velhos “proletários” estão a transformar-se em pequena burguesia (e o lumpesinato auto-exclui-se da cena política), o fascismo encontrará nessa nova maioria o seu auditório.


7. Para os que se vêem privados de qualquer identidade social, o Ur-Fascismo diz que o seu único privilégio é o mais comum de todos: ter nascido num mesmo país. Esta é a origem do “nacionalismo”. Além disso, os únicos que podem fornecer uma identidade às nações são os inimigos. Assim, na raiz da psicologia Ur-Fascista está a obsessão do complô, possivelmente internacional. Os seguidores têm que se sentir sitiados. O modo mais fácil de fazer emergir um complô é fazer apelo à xenofobia. Mas o complô tem que vir também do interior: os judeus são, em geral, o melhor objetivo porque oferecem a vantagem de estar, ao mesmo tempo, dentro e fora. Na América, o último exemplo de obsessão pelo complô foi o livro ‘The New World Order’ de Pat Robertson.


8. Os adeptos devem sentir-se humilhados pela riqueza ostensiva e pela força do inimigo. Quando eu era criança ensinavam-me que os ingleses eram o “povo das cinco refeições”: comiam mais frequentemente que os italianos, pobres mas sóbrios. Os judeus são ricos e ajudam-se uns aos outros graças a uma rede secreta de mútua assistência. Os adeptos devem, contudo, estar convencidos de que podem derrotar o inimigo. Assim, graças a um contínuo deslocamento de registro retórico, os inimigos são, ao mesmo tempo, fortes demais e fracos demais. Os fascismos estão condenados a perder as suas guerras, pois são constitucionalmente incapazes de avaliar com objetividade a força do inimigo.


9. Para o Ur-Fascismo não há luta pela vida, mas antes “vida para a luta”. Logo, o pacifismo é conluio com o inimigo; o pacifismo é mau porque a vida é uma guerra permanente. Contudo, isso traz consigo um complexo de Armagedon: a partir do momento em que os inimigos podem e devem ser derrotados, tem que haver uma batalha final e, em seguida, o movimento assumirá o controle do mundo. Uma solução final semelhante implica uma sucessiva era de paz, uma idade de Ouro que contestaria o princípio da guerra permanente. Nenhum líder fascista conseguiu resolver essa contradição.


10. O elitismo é um aspecto típico de qualquer ideologia reacionária, enquanto fundamentalmente aristocrática. No curso da história, todos os elitismos aristocráticos e militaristas implicaram o desprezo pelos fracos. O Ur-Fascismo não pode deixar de pregar um “elitismo popular”. Todos os cidadãos pertencem ao melhor povo do mundo, os membros do partido são os melhores cidadãos, todo cidadão pode (ou deve) tornar-se membro do partido. Mas patrícios não podem existir sem plebeus. O líder, que sabe muito bem que o seu poder não foi obtido por delegação, mas conquistado pela força, sabe também que a sua força se baseia na debilidade das massas, tão fracas que têm necessidade e merecem um “dominador”. No momento em que o grupo é organizado hierarquicamente (segundo um modelo militar), qualquer líder subordinado despreza os seus subalternos e cada um deles despreza por sua vez os seus subordinados. Tudo isso reforça o sentido de elitismo de massa.


11. Nesta perspectiva, cada um é educado para tornar-se um herói. Em qualquer mitologia o “herói” é um ser excepcional, mas na ideologia Ur-Fascista o heroísmo é a norma. Este culto do heroísmo é estreitamente ligado ao culto da morte: não é por acaso que o mote dos falangistas era: “Viva la muerte!” À gente normal diz-se que a morte é desagradável, mas é preciso enfrentá-la com dignidade; aos crentes diz-se que é um modo doloroso de atingir a felicidade sobrenatural. O herói Ur-Fascista, ao contrário, aspira à morte, anunciada como a melhor recompensa para uma vida heróica. O herói Ur-Fascista espera impacientemente pela morte. Em sua impaciência, é preciso ressaltar, consegue na maior parte das vezes levar os outros à morte.


12. Como tanto a guerra permanente quanto o heroísmo são jogos difíceis de jogar, o Ur-Fascista transfere a sua vontade de poder para questões sexuais. Esta é a origem do machismo (que implica desdém pelas mulheres e uma condenação intolerante de hábitos sexuais não-conformistas, da castidade à homossexualidade). Como o sexo também é um jogo difícil de jogar, o herói Ur-Fascista joga com as armas, que são seu Ersatz fálico: os seus jogos de guerra são devidos a uma invídia penis permanente.


13. O Ur-Fascismo baseia-se num “populismo qualitativo”. Numa democracia, os cidadãos gozam de direitos individuais, mas o conjunto de cidadãos só é dotado de impacto político do ponto de vista quantitativo (as decisões da maioria são acatadas). Para o Ur-Fascismo os indivíduos enquanto indivíduos não têm direitos e “o povo” é concebido como uma qualidade, uma entidade monolítica que exprime “a vontade comum”. Como nenhuma quantidade de seres humanos pode ter uma vontade comum, o líder apresenta-se como seu intérprete. Tendo perdido seu poder de delegar, os cidadãos não agem, são chamados apenas pars pro toto, para assumir o papel de povo. O povo é, assim, apenas uma ficção teatral. Para ter um bom exemplo de populismo qualitativo, não precisamos mais da Piazza Venezia ou do estádio de Nuremberg. No nosso futuro desenha-se um populismo qualitativo, TV ou Internet, no qual a resposta emocional de um grupo selecionado de cidadãos pode ser apresentada e aceite como a “voz do povo”. Em virtude do seu populismo qualitativo, o Ur-Fascismo deve opor-se ao “pútridos” governos parlamentares. Uma das primeiras frases pronunciadas por Mussolini no parlamento italiano foi: “Eu poderia ter transformado esta assembleia surda e cinza num acampamento para os meus regimentos.” De facto, ele logo encontrou alojamento melhor para seus regimentos e pouco depois liquidou o parlamento. Cada vez que um político põe em dúvida a legitimidade do parlamento por não representar mais a “voz do povo”, pode-se sentir o cheiro de Ur-Fascismo.


14. O Ur-Fascismo fala a “neolíngua”. A “neolíngua” foi inventada por Orwell em 1984, como língua oficial do Ingsoc, o Socialismo Inglês, mas certos elementos de Ur-Fascismo são comuns a diversas formas de ditadura. Todos os textos escolásticos nazistas ou fascistas baseavam-se num léxico pobre e numa sintaxe elementar, com o fim de limitar os instrumentos para um raciocínio complexo e crítico. Devemos, porém, estar prontos a identificar outras formas de neolíngua, mesmo quando tomam a forma inocente de um talk-show popular.

(...)»

01.01.22

Mario Merz


Arte Notes.

 

Mario Merz, Untitled (1998)

Mario Merz "Untitled" (1998)
creditos

O trabalho de Mario Merz, nascido a 01 de Janeiro de 1925, inscrito na corrente da arte povera, faz parte da reafirmação da natureza para criticar o desenvolvimento económico compulsivo contemporâneo. Alguns dos seus elementos característicos, como igloos, materiais naturais (argila, madeira, cera, carvão) e alusões à energia, contradizem as formas neutras, ortogonais e de fabricação do minimalismo americano contemporâneo.

A arte povera (arte pobre) e o minimalismo recorrem igualmente ao uso de elementos primários, a uma concepção processual do tempo e a uma presença física imponente do objecto artístico. No entanto, enquanto o minimalismo glorifica as formas da sociedade industrial tardia, a arte povera retorna a uma ideia atávica, ritual e primitiva da natureza.

Não foi por acaso que esta corrente surgiu em Maio de 68 na Itália pós-industrial, e no nascimento da filosofia posoperaísta, que estuda a transformação de qualquer forma de experiência em mercadoria. Nesse sentido, a natureza torna-se um apelo a outra sociedade possível e uma rejeição ao novo mundo hipercapitalista.

01.01.22

"Ode à Paz"


Arte Notes.

 

Imagem Pixabay

 

Pela verdade, pelo riso, pela luz, pela beleza,
Pelas aves que voam no olhar de uma criança,
Pela limpeza do vento, pelos actos de pureza,
Pela alegria, pelo vinho, pela música, pela dança,
Pela branda melodia do rumor dos regatos,
Pelo fulgor do estio, pelo azul do claro dia,
Pelas flores que esmaltam os campos, pelo sossego dos pastos,
Pela exactidão das rosas, pela Sabedoria,
Pelas pérolas que gotejam dos olhos dos amantes,
Pelos prodígios que são verdadeiros nos sonhos,
Pelo amor, pela liberdade, pelas coisas radiantes,
Pelos aromas maduros de suaves outonos,
Pela futura manhã dos grandes transparentes,
Pelas entranhas maternas e fecundas da terra,
Pelas lágrimas das mães a quem nuvens sangrentas
Arrebatam os filhos para a torpeza da guerra,
Eu te conjuro ó paz, eu te invoco ó benigna,
Ó Santa, ó talismã contra a indústria feroz.
Com tuas mãos que abatem as bandeiras da ira,
Com o teu esconjuro da bomba e do algoz,
Abre as portas da História,
deixa passar a Vida!

Natália Correia in "Inéditos"


O primeiro dia do ano foi oficializado como feriado internacional por se tratar do Dia Mundial da Paz. O dia foi criado pelo Papa Paulo VI em 1967. Para ele, a celebração não deve ser apenas para aos católicos, mas sim, para todas as pessoas no mundo, independente da religião, ou ausência dela.

«A proposta de criar à Paz o primeiro dia do novo ano não tem a pretensão de ser qualificada como exclusivamente nossa, religiosa ou católica. Antes, seria para desejar que ela encontrasse a adesão de todos os verdadeiros amigos da Paz, como se tratasse de uma iniciativa própria; que ela se exprimisse livremente, por todos aqueles modos que mais estivessem a carácter e mais de acordo com a índole particular de quantos avaliam o bem, como é bela e importante ao mesmo tempo, a consonância de todas as vozes do mundo, consonância na harmonia, feita da variedade da humanidade moderna, no exaltar este bem primário que é a Paz.»

Texto da declaração registada pelo Papa Paulo VI.