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Arte Notes.

Anotações artísticas, Ambiente & Direitos Humanos por Ana Branco.

Arte Notes.

Anotações artísticas, Ambiente & Direitos Humanos por Ana Branco.

“Economia Numa Única Lição”

28.11.22

Livro

 

"Economia Numa Única Lição” de Henry Hazlitt é uma análise das falácias da economia, hoje tão correntes que se tornaram quase uma nova ortodoxia.

«(…)

A economia é mais assediada por falácias que qualquer outro estudo conhecido pelo homem. Tal facto não é acidental. As dificuldades inerentes ao assunto seriam, em todo o caso, bastante grandes; são, entretanto, mil vezes multiplicadas por um factor insignificante na física, matemática ou medicina: alegações especiais de interesse egoístico. Conquanto qualquer grupo tenha interesses económicos idênticos aos de todos os demais, cada um tem também, conforme veremos, interesses opostos aos de todos os outros grupos. Enquanto certa política governamental procuraria beneficiar todo mundo a longo prazo, outra política beneficiaria apenas um grupo, à custa dos demais. O grupo que se beneficiasse com esta política, tendo nela interesse directo, achá-la-ia plausível e pertinente. Contrataria os melhores cérebros que pudesse conseguir, para dedicarem todo o tempo na defesa do seu ponto de vista. E acabaria convencendo o público de que o caso é justo ou o confundiria de tal modo, que se tornaria quase impossível formar, sobre ele, um juízo claro.

Além desses infindáveis argumentos relacionados ao interesse próprio, há um segundo factor principal que todos os dias semeia novas falácias. É a persistente tendência de os homens verem somente os efeitos imediatos de determinada política ou seus efeitos apenas num grupo especial, deixando de averiguar quais os efeitos dessa política a longo prazo, não só sobre esse determinado grupo, como sobre todos os demais.

É a falácia de menosprezar consequências secundárias. Nisso talvez esteja toda a diferença entre a boa e a má economia. O mau economista vê somente o que está diante de seus olhos; o bom economista olha também ao seu redor. O mau percebe somente as consequências directas do programa proposto; o bom olha, também, as consequências indirectas e mais distantes. O mau economista vê somente quais foram ou quais serão os efeitos de determinada política sobre determinado grupo; o bom investiga, além disso, quais os efeitos dessa política sobre todos os grupos. Parece óbvia a diferença. A precaução de averiguar todas as consequências de uma certa política sobre todos talvez pareça elementar.

(…)

 

Parte 2

A Lição Aplicada

Capítulo 2

A Vitrina Quebrada

Comecemos com o exemplo mais simples possível: escolhemos, imitando Bastiat, uma vitrina quebrada. Suponhamos que um miúdo atire um tijolo a uma vitrina de padaria. O padeiro sai a correr furioso, mas o miúdo já desapareceu. Junta-se gente, e todos passam a olhar com muda satisfação o rombo na vitrina e os estilhaços de vidro sobre pães e tortas. Após um momento, a multidão julga necessário fazer reflexões filosóficas. É quase certo que diversos de seus componentes lembrem, uns aos outros e ao padeiro, que, afinal de contas, aquela desventura tem o seu lado proveitoso: proporcionará negócio para algum vidraceiro. Começando a pensar no caso, passam a estender-se nas suas ideias. Quanto custará uma vitrina nova? Duzentos e cinquenta dólares? Será uma quantia respeitável. Afinal de contas, se as vitrinas não fossem quebradas, o que aconteceria ao negócio de vidros? O problema, naturalmente, parece então não ter fim. O vidraceiro terá mais US$250 para gastar com outros negociantes e estes, por sua vez, terão mais US$250 para despender com outros comerciantes e, assim, ad infinitum. A vitrina quebrada passará a proporcionar dinheiro e emprego a áreas cada vez maiores. A conclusão lógica de tudo isso, se a multidão assim pensasse, seria que o miúdo, que atirara o tijolo, em lugar de se tornar uma ameaça pública, seria um benfeitor.

Encaremos agora a questão sob outro ângulo. A multidão tem razão, pelo menos, na sua primeira conclusão. O pequeno acto de vandalismo, em primeira instância, significará mais negócio para algum vidraceiro. Este não se sentirá mais infeliz, ao saber do ocorrido, que um dono de funerária ao ter conhecimento de uma morte. Mas o padeiro ficará sem US$250, quantia que pretendia gastar na compra de um novo fato. Precisando substituir a vitrina, renunciará à compra do novo fato (ou de algo semelhante, necessário ou desejável). Em vez de possuir uma vitrina e US$250, terá, agora, simplesmente, uma vitrina. Ora, como planejava comprar o fato naquela mesma tarde, em vez de ter uma vitrina e um fato, deverá contentar-se com a vitrina e nenhum fato. Se o considerarmos como parte da comunidade, esta perdeu um novo fato que possuiria, se não surgisse aquela ocorrência, facto que a torna mais pobre. Em suma, o que o vidraceiro ganhou neste negócio representa, somente, o que o alfaiate perdeu. Nenhum “emprego” novo surgiu. As pessoas, naquela multidão, estavam apenas a pensar em dois elementos da transacção: o padeiro e o vidraceiro. Esqueceram a terceira pessoa em potencial envolvida: o alfaiate. Esqueceram-se dele porque não tinha entrado em cena. Verão, daí a um ou dois dias, a nova vitrina. Nunca verão o fato extra, exactamente porque nunca será confeccionado. Vêem apenas o que está imediatamente diante dos seus olhos.

 

Capítulo 3

As Bênçãos da Destruição

Terminamos assim com a vitrina quebrada. Uma falácia elementar. Poderíamos supor que qualquer pessoa seria capaz de evitá-la, após alguns momentos de reflexão. Contudo, sob uma centena de disfarces, a falácia da vitrina quebrada é a mais persistente na história da economia.

É mais generalizada agora, do que foi no passado, em qualquer tempo. É solenemente reafirmada todos os dias por grandes capitães de indústria, pelas câmaras de comércio, pelos líderes de sindicatos trabalhistas, pelos redactores, pelos colunistas de jornais, pelos comentadores radiofónicos, por estatísticos cultos que usam as mais requintadas técnicas, por professores de economia nas nossas melhores universidades. Sob as mais variadas formas, todos eles discorrem longamente sobre as vantagens da destruição.

Embora alguns deles não cheguem a dizer que há lucros líquidos em pequenos actos de destruição, vêem benefícios, quase intermináveis, nas destruições de grande porte. Afirmam quanto estamos, economicamente, melhor na guerra, que na paz. Vêem “milagres de produção”, que para ocorrerem exigem uma guerra. E vêem, então, o mundo tornar-se próspero, graças a uma enorme demanda “acumulada” ou “insatisfeita”.

Na Europa, depois da II Guerra Mundial contam alegremente as casas destruídas, cidades inteiras arrasadas, e que “deverão ser reconstruídas”. Nos Estados unidos, contam as casas que não puderam ser construídas durante a guerra, meias de nylon que não puderam ser oferecidas, automóveis e pneumáticos estragados pelo uso, aparelhos de rádio e refrigeradores obsoletos. Juntos, constituem um formidável total.

É, nada mais, nada menos, a nossa velha amiga, a falácia da vitrina quebrada com novas roupagens e que, de tão gorda, se tornou irreconhecível. E, desta vez, apoiada por todo um grupo de falácias afins.

Confundem necessidade com demanda. Quanto mais a guerra destrói, tanto mais empobrece, e, indubitavelmente, tanto maiores se tornam as necessidades do pós-guerra. Necessidade, porém, não é demanda. A demanda económica efectiva requer, não apenas necessidades mas, também, o correspondente poder aquisitivo. Hoje, as necessidades da Índia são, incomparavelmente, maiores que as dos Estados Unidos. Mas o seu poder aquisitivo, não obstante os “novos negócios” que possa estimular, é incomparavelmente menor.

Se conseguirmos ir além desse ponto, teremos oportunidade de encontrar uma outra falácia, a que os adeptos da tese da vitrina quebrada geralmente se agarram. Pensam no “poder aquisitivo” somente em termos de moeda. Hoje o dinheiro é fabricado pela tipografia. No momento em que estamos a escrever, a emissão de moeda seria, de facto, a maior indústria do mundo, se o produto fosse medido em termos monetários. Todavia, quanto maior quantidade de moeda for emitida, mais se reduzirá o valor de uma determinada unidade monetária. Esta queda de valor pode ser medida pelo aumento dos preços das mercadorias. Como, porém, a maioria das pessoas tem o arraigado hábito de pensar na sua riqueza e rendimento em termos de moeda, consideram-se elas em melhor situação à medida que tais somas monetárias aumentam, a despeito de que, em termos de bens, passam a possuir menos e, também, a comprar menos. A maioria dos “benéficos” resultados económicos que o povo atribui à guerra são, na realidade, devido à inflação dos tempos da II Guerra Mundial.

Poderiam ser, da mesma forma, produzidos por igual inflação em tempos de paz. Voltaremos, mais adiante, a tratar dessa ilusão monetária.

Ora, existe meia-verdade na falácia da demanda “insatisfeita”, do mesmo modo como ocorria na da vitrina quebrada. A vitrina quebrada proporcionou mais emprego para o vidraceiro. A destruição da guerra proporcionou mais negócio para os produtores de certos artigos. A destruição de casas e cidades incentivou as actividades das companhias construtoras e fábricas de material de construção. A impossibilidade de produzir automóveis, aparelhos de rádio e refrigeradores, durante a guerra, criou, no pós-guerra, uma demanda acumulada desses últimos produtos. Isto parecerá, à maioria das pessoas, um aumento na demanda total, assim como foi, em parte, em termos de dólares de menor poder aquisitivo. Mas o que realmente acontece é um desvio da demanda de outras mercadorias para essas. Os povos da Europa construíram maior número de casas novas, em lugar de fabricar outras coisas porque, na realidade, delas necessitavam. Quando, porém, construíam mais casas, dispunham de muito menor quantidade de mão-de-obra e de capacidade produtiva para tudo o mais. Quando compraram casas, dispunham de muito menor poder aquisitivo para comprar outras coisas. Sempre que os negócios são aumentados numa só direcção, reduzem-se, forçosamente, em outra (excepto quando as energias produtivas puderem ser, em geral, estimuladas pelo sentido de necessidade e urgência). Em síntese, a guerra modificou a direcção dos esforços do pós-guerra; modificou o equilíbrio das indústrias; modificou a estrutura da indústria.

Desde o término da II Guerra mundial na Europa, tem havido rápido e mesmo espectacular “crescimento económico”, tanto nos países que foram devastados pela guerra, como naqueles que não o foram.

(…)

Muitas das mais frequentes falácias no raciocínio económico provêm da tendência, especialmente acentuada hoje, de pensar em termos de abstracção — a colectividade, a “nação”— e esquecer ou ignorar as pessoas que a criam e lhe dão sentido. Ninguém que pensou primeiro nas pessoas cuja propriedade foi destruída pela guerra poderia imaginar que a destruição da guerra fosse uma vantagem económica.

Aqueles que pensam que a destruição da guerra aumenta a “demanda” total esquecem que demanda e oferta são, simplesmente, duas faces de uma só moeda. São a mesma coisa vista de diferentes direcções.

Oferta cria demanda porque, no fundo, é demanda. A oferta das coisas que um povo fabrica é, de facto, tudo o que ele tem para oferecer em troca dos artigos que deseja. Nesse sentido, a oferta de trigo pelos agricultores constitui sua demanda de automóveis e outros bens. Tudo isso é inerente à moderna divisão do trabalho e a uma economia de intercâmbio.

(…)

Mera inflação — isto é, mera emissão de mais dinheiro com a consequente elevação de salários e preços — pode parecer criação de maior demanda. Em termos, porém, de verdadeira produção e troca de coisas, não é.

É evidente que o poder aquisitivo real é extinto na mesma proporção que é extinto o poder de produção. Não nos devemos deixar iludir ou confundir nesta questão pelos efeitos da inflação monetária no aumento de preços ou “renda nacional” em termos monetários.

(…)»

 

Uma em cada três é vítima de violência

25.11.22

Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres

 

Hoje é Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres. A violência contra as mulheres é uma violação dos direitos humanos que ocorre todos os dias em todo o mundo. Globalmente, uma em cada três mulheres sofre violência física ou sexual, principalmente por parte de um parceiro íntimo.

Embora a violência doméstica e o abuso às vezes estejam ocultos, se conhecermos os sinais de um relacionamento abusivo, poderemos reconhecê-lo melhor e procurar ou oferecer ajuda.

 

"Movimento Perpétuo"

24.11.22

 

Livro

 

A par da actividade de professor liceal, de divulgador de temas científicos e de investigador, Rómulo de Carvalho nascido a 24 de Novembro de 1906 retomou, no início da década de cinquenta, a criação poética. Como António Gedeão publicou o seu primeiro livro de poesia: Movimento Perpétuo (1956). A musicalização do poema «Pedra Filosofal» contribuiu para a sua popularidade junto do grande público, desde a década de setenta do século XX até aos dias de hoje.

Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso,
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos,
que em oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.

Eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho alacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
que foça através de tudo
num perpétuo movimento.

Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara graga, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa dos ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, paço de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão de átomo, radar,
ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.

Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida.
Que sempre que o homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.

«O poema é composto por quatro estrofes: a primeira com doze versos, a segunda com seis (sextilha), a terceira possui 24 versos e a quarta apresenta seis versos (sextilha). A maior parte dos versos possuem sete sílabas métricas (heptassílabo ou redondilha maior). As rimas são cruzadas, emparelhadas e interpoladas.

O tema do poema é o sonho, e pode ser dividido em duas partes lógicas:

- A primeira parte é constituída pelas primeiras três estrofes, em que o sonho é comparado a elementos que temos na natureza (pedra, ribeiro, pinheiros, aves, alimentos, animais…); a elementos artísticos e arquitectónicos; a elementos relacionados com a ciência; à expansão marítima e às suas descobertas e às invenções.

- A segunda parte corresponde à última estrofe, em que o sujeito poético conclui que o sonho comanda a vida, como diz o texto, e que faz avançar e evoluir o Mundo.

O sonho, neste poema, é entendido como a mola do progresso e da evolução do ser humano, o sonho é o elemento que leva o Homem a fazer avançar o Mundo e a superar-se continuamente. O sonho “é uma constante da vida”, sem ele, segundo Fernando Pessoa, o Homem é somente um “cadáver adiado que procria” (D. Sebastião, in Mensagem).

O título do poema – Pedra Filosofal – remete para a alquimia (uma substância que, segundo a lenda, se adicionava aos metais pobres para se transformarem em ouro). Assim, este título, associa o sonho humano à magia dos alquimistas, sugerindo que o sonho, qual pedra filosofal, transforma em ouro as fraquezas e as pequenas ambições humanas.

O sonho faz parte da vida dos seres humanos, é tão frequente, concreto e definido como uma pedra, um ribeiro, os pinheiros, as aves... fazem parte da Natureza. Estas comparações que surgem no início do texto sugerem que o sonho é uma coisa simples, mas, ao mesmo tempo, complexa, porque é muito difícil de definir; apontam ainda o quanto os sonhos são abstractos e subjectivos, podendo, no entanto ser transformados em algo tão concreto e definido como outra coisa qualquer.

Os sonhos podem ser “mansos” ou “sobressaltados”; estão relacionados com algo grandioso e envolvidos pela ideia da esperança constante presente na expressão “pinheiros altos”: a cor verde dos pinheiros, símbolo de esperança, poderá remeter para a eterna “juventude” ou para a renovação constante do sonho (atingido um sonho, o Homem não deve parar de sonhar, há que procurar outro sonho para concretizar), a perenidade das folhas dos pinheiros representam a importância de se ter sempre um sonho (“o sonho / é uma constante da vida”); a altura sugere a liberdade desse ideal, não há limites para o sonho, assim como o céu por onde voam as aves não apresenta limites). Os sonhos são igualmente comparados a um “bichinho (…) sedento” (metáfora) cujo focinho pontiagudo permite penetrar nos “locais” mais recônditos para satisfazer as suas necessidades, o bichinho procura água, pois tem sede, o Homem deve perseguir os seus sonhos, deve procurá-los estejam eles onde estiverem como se deles dependesse a sua sobrevivência.

O sonho faz evoluir, leva o Homem a progredir nas diversas áreas: a Arte (a pintura, a arquitectura, a música, o teatro, a dança); a Técnica e a Tecnologia (a cisão do átomo, o radar, o foguetão…); a Geografia e a História, a Indústria...

Em relação aos portugueses, o sujeito poético refere os Descobrimentos, que permitiram que um pequeno povo, avançasse “por mares nunca dantes navegados”, em pequenas naus, em perseguição do seu sonho. Este povo corajoso e aventureiro revelou novas terras, novos povos, novas civilizações ao Mundo, demonstrando coragem e espírito de aventura. “Deus quer, o Homem sonha, a obra nasce", o Homem sonhou que existiam outros mundos para além do que era conhecido e sonhou que os poderia descobrir e, através da força imparável do sonho, a obra nasceu, abriram-se novos horizontes e surgiram ante os olhos de todos novos mundos, os continentes antes separados pelos Oceanos uniram-se e a terra surgiu toda, una.

Sempre que o Homem sonha, supera-se e consegue sempre atingir algo melhor do que aquilo que conhece, o sujeito poético crítica todos aqueles que não sonham, pois não sabem que o sonho comanda a vida. Sem sonho a vida não tem sentido, porque “o sonho comanda a vida”.

Numa tentativa de definir o sonho, este poema promove a sua aproximação ou mesmo identificação com diversos referentes. Para isso, serve-se preferencialmente de duas figuras de estilo:

- "[o sonho] é Cabo da Boa Esperança": Metáfora
- "como este ribeiro manso" - comparação
- "o sonho/é vinho, é espuma, é fermento": metáfora
- "como estes pinheiros altos": comparação

O efeito de analogia do poema é conseguido através da metáfora, que promove uma identificação entre termos diferentes, a partir do uso do verbo ser ("O sonho é..."), e da comparação, que promove uma associação de dois termos.

Todo o poema de uma forma geral, e em concreto a terceira estrofe, assenta na enumeração de uma gama de vocábulos das mais variadas áreas de saber que, segundo o sujeito poético, são coincidentes com o sonho. Esta referência a uma multiplicidade de nomes confere ao poema muita musicalidade e ritmo.

A anáfora existente nas três primeiras estrofes do poema ("Eles não sabem que o sonho") indica a referência a um destinatário do discurso poético (eles) e introduz uma oração integrante. A estrutura estrófica livre de normas mostra que estamos perante um poema do século XX.»

 

Bauman

19.11.22

Imagem

 

Zygmunt Bauman ficou conhecido pelas suas análises das ligações entre a modernidade, o Holocausto e o consumismo pós-moderno. Conhecia o terror da guerra e o trauma do exílio. Essas experiências fizeram dele um defensor dos oprimidos e um crítico cáustico do status quo. Uma crescente polarização entre a elite e o resto, a nossa crescente tolerância com as desigualdades cada vez maiores e a separação entre poder e política permaneceram temas constantes nos seus escritos – produziu mais de 60 livros no total.

Cunhou o conceito de "Modernidade Líquida", através do qual analisou o desaparecimento das estruturas e instituições sólidas que outrora forneceram as bases estáveis para sociedades modernas bem ordenadas e as consequências para indivíduos e comunidades. Professor de sociologia na Universidade de Leeds, Reino Unido (1971-91, e então emérito), Bauman argumentou que o nosso mundo é incapaz de ficar parado e manter a sua forma por muito tempo. Tudo parece mudar – as modas que seguimos, os acontecimentos que nos chamam a atenção, as coisas com que sonhamos e as coisas que tememos. As pessoas já não possuem nem padrões de referência, nem códigos sociais e culturais que lhes possibilitem, ao mesmo tempo, construir a sua vida e inserir-se dentro das condições de classe e cidadão. Chega-se, no seu entender, à era da comparabilidade universal, onde já não possuímos lugares pré-estabelecidos no mundo, onde nos possamos situar, mas devemos lutar livremente por nossa própria conta e risco para nos inserirmos numa sociedade cada vez mais selectiva económica e socialmente.

 

«(…) A liberdade não pode ser ganha contra a sociedade. O resultado da rebelião contra as normas, mesmo que os rebelados não se tenham tornados bestas de uma vez por todas e, portanto, perdido a capacidade de julgar a sua própria condição, é uma agonia perpétua de indecisão ligada a um estado de incerteza sobre as intenções e movimentos dos outros ao redor – o que faz da vida um inferno.

Padrões e rotinas impostas por pressões sociais condensadas poupam essa agonia aos homens; graças à monotonia e à regularidade de modos de conduta recomendados, para os quais foram treinados e a que podem ser obrigados, os homens sabem como proceder na maior parte do tempo e raramente se encontram em situações sem sinalização: aquelas situações em que as decisões devem ser tomadas com a própria responsabilidade e sem o conhecimento tranquilizante das suas consequências, fazendo com que cada movimento seja impregnado de riscos difíceis de calcular.

A ausência, ou a mera falta de clareza, das normas – anomia – é o pior que pode acontecer às pessoas na sua luta para dar conta dos afazeres da vida. As normas capacitam tanto quanto incapacitam; a anomia anuncia pura e simples incapacitação. Uma vez que as tropas da regulamentação normativa abandonam o campo de batalha da vida, sobram apenas a dúvida e o medo.(…)»

in "Modernidade Líquida"

 

Centenário do nascimento de José Saramago

16.11.22

 

José Saramago

 

Hoje, dia 16 de Novembro, assinala-se o Centenário do nascimento de José Saramago (1922-2022), o Nobel da Literatura português, nascido na aldeia da Azinhaga, no Ribatejo. Crítico e céptico quanto ao ser humano, deixou muito em que reflectir:

“... as boas coisas para uns precisamente têm os seus poréns para outros ...” (p. 91), no livro A Jangada de Pedra. “Se o negócio é bom ou mau, isso depende, que o dinheiro não tem sempre o mesmo valor, ao contrário dos homens, que sempre valem o mesmo, tudo e coisa nenhuma” (p. 107), no romance Memorial do Convento. “O mundo não tem mais problemas que os problemas das pessoas” (p. 40), no livro O Homem Duplicado.

“...porquê nunca houve uma greve numa fábrica de armamento...” (p. 59). Foi a motivação para Saramago iniciar a escrever um novo livro – Alabardas, Alabardas, Espingardas, Espingardas – que ficou inacabado ao falecer, em Junho de 2010.

“…Todos os países, quaisquer que sejam, capitalistas, comunistas ou fascistas, fabricam, vendem e compram armas, e não é raro que as usem contra os seus próprios naturais. ... É assim, mas não o deveria ser. ...Não temos outro mundo" (p. 29).

A visão de Saramago sobre a sociedade não era boa. “O caos é uma ordem por decifrar” (p. 103), no livro O Homem Duplicado, resume um mundo e uma sociedade onde as relações humanas são desprovidas de razão e de ética. O ponto central dos seus romances é o homem e as suas relações com o semelhante. O olhar o “outro”. A alteridade.

“Ah, este mundo a que alguns chamam cão. Os cães, decerto lhe chamariam homem.” (p.113).

O próprio Saramago falava da sua preocupação com o mundo: “A partir de Ensaio sobre a Cegueira passei a escrever, de uma forma mais atenta, sobre o mundo em que vivemos, quem somos, em que nos transformamos.” (Saramago, 2004 como citado em Aguilera, 2010, p. 328).

 

"Surrender. 40 canções, uma história" de Bono

14.11.22

 

«Surrender. 40 canções, uma história» de Bono

 

Em Surrender, Bono escreve na primeira pessoa sobre a sua vida notável e sobre aqueles com quem a partilhou. Com uma voz única, Bono leva-nos até aos seus dias de juventude em Dublin, ao momento em que perdeu a mãe subitamente, aos 14 anos, à improvável viagem dos U2 antes de se tornarem uma das bandas mais influentes de sempre, aos seus mais de 20 anos de ativismo, dedicados à luta contra a SIDA e a pobreza extrema. Num exercício de franca autoanálise e com uma dose saudável de humor, Bono abre a porta para a sua vida, a sua família e amigos e para a fé em que se apoiou, que o desafiou e que o moldou.

O subtítulo de Surrender, 40 canções, uma história é um piscar de olho aos 40 capítulos que compõem o livro, cada um evocando uma música dos U2. Bono criou ainda 40 desenhos originais para este livro e um vídeo, narrado por si, baseado nas suas ilustrações e divulgado hoje nas plataformas digitais dos U2, a partir do excerto de um dos capítulos do livro, Out of Control, no qual Bono narra o episódio da composição do primeiro single dos U2 a 10 de Maio de 1978 - dia do seu 18.º aniversário.

 

"Momento Decisivo"

14.11.22

 

wikipédia

O Sol descia ao poente,
E florente estava o prado;
Ouviam-se auras suaves
E das aves o trinado.

Tu sentada ao pé da fonte
O horizonte contemplavas
Vias o Sol declinando
E, corando, suspiravas.

E depois... seria acaso?
Do ocaso a vista ergueste,
E, ao olhar-me, mais coraste,
Suspiraste e emudeceste.

Foi bem rápido o momento
De um alento repentino;
Porém nesse olhar de fogo
Eu li logo o meu destino.

Nesse olhar, no rubor vivo,
No furtivo respirar...

Diz, tu mesma nessas letras
Não soletras já: amar?


1860.

Nota do Autor. — Não é muito fácil esta espécie de leitura, o sentido das letras é diferente, conforme os desejos do que as pretende decifrar e daí mil deceções e amargos desenganos. Eu não sei se li bem ou mal; mas é certo que depois disso, o livro parece fechado... não descubro carateres novos.

 

in "Poemas Completos"de Júlio Dinis, pseudónimo de Joaquim Guilherme Gomes Coelho, nascido neste dia, em 1839, no Porto.

 

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