“Economia Numa Única Lição”
"Economia Numa Única Lição” de Henry Hazlitt é uma análise das falácias da economia, hoje tão correntes que se tornaram quase uma nova ortodoxia.
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A economia é mais assediada por falácias que qualquer outro estudo conhecido pelo homem. Tal facto não é acidental. As dificuldades inerentes ao assunto seriam, em todo o caso, bastante grandes; são, entretanto, mil vezes multiplicadas por um factor insignificante na física, matemática ou medicina: alegações especiais de interesse egoístico. Conquanto qualquer grupo tenha interesses económicos idênticos aos de todos os demais, cada um tem também, conforme veremos, interesses opostos aos de todos os outros grupos. Enquanto certa política governamental procuraria beneficiar todo mundo a longo prazo, outra política beneficiaria apenas um grupo, à custa dos demais. O grupo que se beneficiasse com esta política, tendo nela interesse directo, achá-la-ia plausível e pertinente. Contrataria os melhores cérebros que pudesse conseguir, para dedicarem todo o tempo na defesa do seu ponto de vista. E acabaria convencendo o público de que o caso é justo ou o confundiria de tal modo, que se tornaria quase impossível formar, sobre ele, um juízo claro.
Além desses infindáveis argumentos relacionados ao interesse próprio, há um segundo factor principal que todos os dias semeia novas falácias. É a persistente tendência de os homens verem somente os efeitos imediatos de determinada política ou seus efeitos apenas num grupo especial, deixando de averiguar quais os efeitos dessa política a longo prazo, não só sobre esse determinado grupo, como sobre todos os demais.
É a falácia de menosprezar consequências secundárias. Nisso talvez esteja toda a diferença entre a boa e a má economia. O mau economista vê somente o que está diante de seus olhos; o bom economista olha também ao seu redor. O mau percebe somente as consequências directas do programa proposto; o bom olha, também, as consequências indirectas e mais distantes. O mau economista vê somente quais foram ou quais serão os efeitos de determinada política sobre determinado grupo; o bom investiga, além disso, quais os efeitos dessa política sobre todos os grupos. Parece óbvia a diferença. A precaução de averiguar todas as consequências de uma certa política sobre todos talvez pareça elementar.
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Parte 2
A Lição Aplicada
Capítulo 2
A Vitrina Quebrada
Comecemos com o exemplo mais simples possível: escolhemos, imitando Bastiat, uma vitrina quebrada. Suponhamos que um miúdo atire um tijolo a uma vitrina de padaria. O padeiro sai a correr furioso, mas o miúdo já desapareceu. Junta-se gente, e todos passam a olhar com muda satisfação o rombo na vitrina e os estilhaços de vidro sobre pães e tortas. Após um momento, a multidão julga necessário fazer reflexões filosóficas. É quase certo que diversos de seus componentes lembrem, uns aos outros e ao padeiro, que, afinal de contas, aquela desventura tem o seu lado proveitoso: proporcionará negócio para algum vidraceiro. Começando a pensar no caso, passam a estender-se nas suas ideias. Quanto custará uma vitrina nova? Duzentos e cinquenta dólares? Será uma quantia respeitável. Afinal de contas, se as vitrinas não fossem quebradas, o que aconteceria ao negócio de vidros? O problema, naturalmente, parece então não ter fim. O vidraceiro terá mais US$250 para gastar com outros negociantes e estes, por sua vez, terão mais US$250 para despender com outros comerciantes e, assim, ad infinitum. A vitrina quebrada passará a proporcionar dinheiro e emprego a áreas cada vez maiores. A conclusão lógica de tudo isso, se a multidão assim pensasse, seria que o miúdo, que atirara o tijolo, em lugar de se tornar uma ameaça pública, seria um benfeitor.
Encaremos agora a questão sob outro ângulo. A multidão tem razão, pelo menos, na sua primeira conclusão. O pequeno acto de vandalismo, em primeira instância, significará mais negócio para algum vidraceiro. Este não se sentirá mais infeliz, ao saber do ocorrido, que um dono de funerária ao ter conhecimento de uma morte. Mas o padeiro ficará sem US$250, quantia que pretendia gastar na compra de um novo fato. Precisando substituir a vitrina, renunciará à compra do novo fato (ou de algo semelhante, necessário ou desejável). Em vez de possuir uma vitrina e US$250, terá, agora, simplesmente, uma vitrina. Ora, como planejava comprar o fato naquela mesma tarde, em vez de ter uma vitrina e um fato, deverá contentar-se com a vitrina e nenhum fato. Se o considerarmos como parte da comunidade, esta perdeu um novo fato que possuiria, se não surgisse aquela ocorrência, facto que a torna mais pobre. Em suma, o que o vidraceiro ganhou neste negócio representa, somente, o que o alfaiate perdeu. Nenhum “emprego” novo surgiu. As pessoas, naquela multidão, estavam apenas a pensar em dois elementos da transacção: o padeiro e o vidraceiro. Esqueceram a terceira pessoa em potencial envolvida: o alfaiate. Esqueceram-se dele porque não tinha entrado em cena. Verão, daí a um ou dois dias, a nova vitrina. Nunca verão o fato extra, exactamente porque nunca será confeccionado. Vêem apenas o que está imediatamente diante dos seus olhos.
Capítulo 3
As Bênçãos da Destruição
Terminamos assim com a vitrina quebrada. Uma falácia elementar. Poderíamos supor que qualquer pessoa seria capaz de evitá-la, após alguns momentos de reflexão. Contudo, sob uma centena de disfarces, a falácia da vitrina quebrada é a mais persistente na história da economia.
É mais generalizada agora, do que foi no passado, em qualquer tempo. É solenemente reafirmada todos os dias por grandes capitães de indústria, pelas câmaras de comércio, pelos líderes de sindicatos trabalhistas, pelos redactores, pelos colunistas de jornais, pelos comentadores radiofónicos, por estatísticos cultos que usam as mais requintadas técnicas, por professores de economia nas nossas melhores universidades. Sob as mais variadas formas, todos eles discorrem longamente sobre as vantagens da destruição.
Embora alguns deles não cheguem a dizer que há lucros líquidos em pequenos actos de destruição, vêem benefícios, quase intermináveis, nas destruições de grande porte. Afirmam quanto estamos, economicamente, melhor na guerra, que na paz. Vêem “milagres de produção”, que para ocorrerem exigem uma guerra. E vêem, então, o mundo tornar-se próspero, graças a uma enorme demanda “acumulada” ou “insatisfeita”.
Na Europa, depois da II Guerra Mundial contam alegremente as casas destruídas, cidades inteiras arrasadas, e que “deverão ser reconstruídas”. Nos Estados unidos, contam as casas que não puderam ser construídas durante a guerra, meias de nylon que não puderam ser oferecidas, automóveis e pneumáticos estragados pelo uso, aparelhos de rádio e refrigeradores obsoletos. Juntos, constituem um formidável total.
É, nada mais, nada menos, a nossa velha amiga, a falácia da vitrina quebrada com novas roupagens e que, de tão gorda, se tornou irreconhecível. E, desta vez, apoiada por todo um grupo de falácias afins.
Confundem necessidade com demanda. Quanto mais a guerra destrói, tanto mais empobrece, e, indubitavelmente, tanto maiores se tornam as necessidades do pós-guerra. Necessidade, porém, não é demanda. A demanda económica efectiva requer, não apenas necessidades mas, também, o correspondente poder aquisitivo. Hoje, as necessidades da Índia são, incomparavelmente, maiores que as dos Estados Unidos. Mas o seu poder aquisitivo, não obstante os “novos negócios” que possa estimular, é incomparavelmente menor.
Se conseguirmos ir além desse ponto, teremos oportunidade de encontrar uma outra falácia, a que os adeptos da tese da vitrina quebrada geralmente se agarram. Pensam no “poder aquisitivo” somente em termos de moeda. Hoje o dinheiro é fabricado pela tipografia. No momento em que estamos a escrever, a emissão de moeda seria, de facto, a maior indústria do mundo, se o produto fosse medido em termos monetários. Todavia, quanto maior quantidade de moeda for emitida, mais se reduzirá o valor de uma determinada unidade monetária. Esta queda de valor pode ser medida pelo aumento dos preços das mercadorias. Como, porém, a maioria das pessoas tem o arraigado hábito de pensar na sua riqueza e rendimento em termos de moeda, consideram-se elas em melhor situação à medida que tais somas monetárias aumentam, a despeito de que, em termos de bens, passam a possuir menos e, também, a comprar menos. A maioria dos “benéficos” resultados económicos que o povo atribui à guerra são, na realidade, devido à inflação dos tempos da II Guerra Mundial.
Poderiam ser, da mesma forma, produzidos por igual inflação em tempos de paz. Voltaremos, mais adiante, a tratar dessa ilusão monetária.
Ora, existe meia-verdade na falácia da demanda “insatisfeita”, do mesmo modo como ocorria na da vitrina quebrada. A vitrina quebrada proporcionou mais emprego para o vidraceiro. A destruição da guerra proporcionou mais negócio para os produtores de certos artigos. A destruição de casas e cidades incentivou as actividades das companhias construtoras e fábricas de material de construção. A impossibilidade de produzir automóveis, aparelhos de rádio e refrigeradores, durante a guerra, criou, no pós-guerra, uma demanda acumulada desses últimos produtos. Isto parecerá, à maioria das pessoas, um aumento na demanda total, assim como foi, em parte, em termos de dólares de menor poder aquisitivo. Mas o que realmente acontece é um desvio da demanda de outras mercadorias para essas. Os povos da Europa construíram maior número de casas novas, em lugar de fabricar outras coisas porque, na realidade, delas necessitavam. Quando, porém, construíam mais casas, dispunham de muito menor quantidade de mão-de-obra e de capacidade produtiva para tudo o mais. Quando compraram casas, dispunham de muito menor poder aquisitivo para comprar outras coisas. Sempre que os negócios são aumentados numa só direcção, reduzem-se, forçosamente, em outra (excepto quando as energias produtivas puderem ser, em geral, estimuladas pelo sentido de necessidade e urgência). Em síntese, a guerra modificou a direcção dos esforços do pós-guerra; modificou o equilíbrio das indústrias; modificou a estrutura da indústria.
Desde o término da II Guerra mundial na Europa, tem havido rápido e mesmo espectacular “crescimento económico”, tanto nos países que foram devastados pela guerra, como naqueles que não o foram.
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Muitas das mais frequentes falácias no raciocínio económico provêm da tendência, especialmente acentuada hoje, de pensar em termos de abstracção — a colectividade, a “nação”— e esquecer ou ignorar as pessoas que a criam e lhe dão sentido. Ninguém que pensou primeiro nas pessoas cuja propriedade foi destruída pela guerra poderia imaginar que a destruição da guerra fosse uma vantagem económica.
Aqueles que pensam que a destruição da guerra aumenta a “demanda” total esquecem que demanda e oferta são, simplesmente, duas faces de uma só moeda. São a mesma coisa vista de diferentes direcções.
Oferta cria demanda porque, no fundo, é demanda. A oferta das coisas que um povo fabrica é, de facto, tudo o que ele tem para oferecer em troca dos artigos que deseja. Nesse sentido, a oferta de trigo pelos agricultores constitui sua demanda de automóveis e outros bens. Tudo isso é inerente à moderna divisão do trabalho e a uma economia de intercâmbio.
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Mera inflação — isto é, mera emissão de mais dinheiro com a consequente elevação de salários e preços — pode parecer criação de maior demanda. Em termos, porém, de verdadeira produção e troca de coisas, não é.
É evidente que o poder aquisitivo real é extinto na mesma proporção que é extinto o poder de produção. Não nos devemos deixar iludir ou confundir nesta questão pelos efeitos da inflação monetária no aumento de preços ou “renda nacional” em termos monetários.
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